AlgumRocK
Quando eu escrevo eu sempre ouço música e quase sempre é algum rock.
sábado, 26 de janeiro de 2013
"Cabeça Dinossauro"
A gente não era bobo. Quando queria pegar carona escrevíamos numa meia cartolina a palavra "faculdade" e ficávamos à beira da pista com a melhor cara de nerd que podíamos ter até passar um "gente boa" e parar.
Foi assim que fomos algumas vezes para Bauru ou Sorocaba sem precisar gastar com passagens de ônibus. Na década de oitenta do século passado pegar carona não era ainda tão perigoso e tinha gente que gostava de ter companhia para viajar. Uma vez eu, Danilinho e o Agnaldo "peruzinho" fomos a show dos Titãs em Bauru assim. Eles tinham estourado com o "Cabeça Dinossauro" e era o ano de 1987 acho. Lembro-me do Peru escrevendo caprichosamente "Faculdade" como já tínhamos feito outras vezes, só que sempre em dupla, nunca em trio. Um detalhe: nós três estávamos no primeiro colegial ainda.
Uma semana antes fui eu que fiquei sabendo do show ao ler reportagem no Ilustrada da Folha de São Paulo que falava da turnê que estava sendo um grande sucesso de público no país. Comentei com o Danilo que se lembrou da irmã que morava e estudava em Bauru. O Agnaldo Peruzinho resolveu ir junto uns dois dias antes do dia do show e mesmo assim a ideia de pegarmos carona se manteve.
Em três era meio difícil né... Insisti que a gente tinha que ir logo cedinho.
Umas nove horas da manhã lá estávamos os três na paineira. Os carros passavam e fingiam não ver o nosso cartaz. Mas o Agnaldo que sempre tinha uma ideia havia levado dados para passarmos o tempo. Falou que um de nós se escondesse enquanto dois ficavam na beira da pista. Adivinha quem perdeu logo a primeira rodada tirando o número menor nos dadinhos.
Lá fui eu ficar um pouco longe dos outros dois e logo de cara aparece o saudoso Julinho "Pregão" Michelin que parou seu carro. Eu imediatamente corri para ouvi-lo aos risos perguntar de onde tinha aparecido o "careta". Ele ia até Avaré. Sabia do show e tudo, mas tinha compromisso e bom roqueiro que era nos deixou num lugar excelente para a segunda parte de nossa empreitada. No toca-fitas de seu carro lembro-me que ele pôs para a gente ouvir uma fita cassete dos Rolling Stones enquanto nos dava conselhos de como curtir da melhor maneira possível o show...
E lá estávamos parados novamente na pista 45 kms depois. Dessa vez quem perdeu nos dados foi o próprio Peruzinho que correu para baixo do barranco onde fingiria ter ido "desaguar" para aparecer só quando algum carro parasse... Meia hora depois com alguns carros buzinando ao passar, me para uma perua. Imediatamente imaginei que melhor veículo não existia para parar. Fui eu que conversei com o motorista e enquanto o terceiro integrante aparecia, ele já nos avisava que estava levando alho primeiro para Lençóis Paulista e depois iria sim para Bauru. Meus amigos talvez fossem mais rápidos que eu. Só sei que quem foi atrás com o carregamento de alho que ocupava quase todos os bancos fui eu enquanto Danilo e Agnaldo se aboletaram com o João do "Aio" na frente...
Ele perguntou que faculdade a gente fazia. E o Danilo todo sério falou arquitetura. Ouvir a pergunta "já tem esse curso lá?" foi algo inesperado. João do Aio, descobrimos então, era um apaixonado por saber curiosidades sobre Bauru e sabia entre muitas coisas todos os cursos de ensino superior oferecidos pelas faculdades Bauruenses. Pego de surpresa foi o Agnaldo que gaguejando tratou de falar a verdade para um surpreso figuraça que foi logo parando a kombi no acostamento.
Mandou que descêssemos.
Quando o Danilo foi abrir a porta ele soltou uma gargalhada e falou que era brincadeira... Disse que logo viu que a gente era tudo menos estudante de faculdade com nossas caras imberbes. Ele também sabia que os oito integrantes dos Titãs iriam tocar em Bauru a noite. Orgulhoso falou cada um dos nomes dos integrantes da banda, seus respectivos instrumentos, algo que tinha "gravado" em sua memória um dia antes. Ele era um exibicionista e nós três um público para suas demonstrações de conhecimento inútil.
João do Aio nos levou até Lençóis Paulista e nos deixou na entrada da cidade. Falou que tinha alho pra entregar em dois supermercados e três armazéns e que logo sairia para Bauru. Acaso a gente não pegasse carona ele nos levaria dali em diante então. Foi daí, quando descemos que percebi o cheiro de alho na minha jaqueta. E o cheiro havia ficado impregnado na jaqueta a ponto de realmente me incomodar. Sugeri que tirássemos nos dados quem iria atrás dessa vez. Mas os dois amigos simplesmente afirmaram que já que eu estava com o cheiro não era justo que os outros ficassem cheirando também.
Uns quarenta minutos vimos subindo a rua que dava acesso à saída da cidade a kombi branca do João e ficamos aliviados... Mais uma vez houve uma brincadeira um tanto sem graça por parte do nosso amigo condutor que passou pela gente, parando logo à frente... Dessa vez o carregamento de alho havia diminuído bastante e pude ir mais tranquilo na parte de trás mesmo...
Mas mesmo atrás fui eu quem mais conversou sobre curiosidades com aquele figura que parecia se divertir com o fato de me desafiar com perguntas a respeito de música. Puxo pela memória e me lembro de algumas coisas que aprendi naquele dia: que a capa do “Sargent Peppers” homenageia Marilyn Monroe, Marlon Brando, Bob Dylan, Cassius Clay e Aleister Crowley. Rindo e mostrando sua memória invejável ele contou que Marx, Gandhi, Hitler e até Jesus Cristo também apareceriam. Só que como Lennon tinha declarado que os Beatles eram mais populares que Cristo e Marx e Gandhi poderiam ser ofensivos a mercados indianos e comunistas eles acabaram sendo deixados de lado. Outra curiosidade que ele me contou e que ficou gravada em minha memória e que não sairá fácil foi sobre a polêmica que cerca o fato de que quem copiou quem no lance da maquiagem. Se foram os integrantes do Kiss que copiaram o Secos & Molhados ou o inverso. Segundo o bem informado João que parecia compensar a falta de estudo formal e o trabalho sem glamour nenhum com todo o cabedal de informações de que dispunha, na verdade tudo não passava de uma grande coincidência. Os jovens do Kiss escolheram usar maquiagem refletindo a atmosfera glitter pela qual passavam os artistas de rock ‘n roll na época e já no caso do grupo de Ney Matogrosso era uma escolha exótica bem comum na arte pop brasileira do início da década de 70.
Fiquei com aquilo na cabeça e lembro sempre disso quando fazem alguma matéria sobre o assunto. Hoje aquilo que ouvi nos idos do final da década de oitenta já está mais do que comprovado embora Ney Matogrosso insista com a versão de que fora ‘plagiado’...
Chegamos a Bauru.
João, agora como um novo amigo de infância, nos levou até bem perto do prédio conhecido como “pombal” onde moravam nossos amigos. Puxo pela memória e me lembro do banho que tomei e do outro que dei em minha jaqueta de perfume tentando tirar seu mau cheiro. Estava bem frio quando fomos antes do show para uma choperia... Conosco estava o Neto que estudava em Bauru e foi pra ele que contei de João. Foi então que ele me perguntou por que afinal não o convidei para o show.
Realmente aquilo foi uma pequena pisada na bola. Lembro-me de eu pensando que toda aquela conversa sobre rock talvez fosse uma forma de me dizer do quanto gostaria de ir também ao show com aquela molecada...
O show foi demais. Arnaldo Antunes era o destaque para mim que já tinha prestado atenção no quanto ele era esclarecido. Com um Nando Reis furioso em “Igreja” lembro-me de eu tirando a jaqueta ‘Levi’s’ pulando de uma forma que eu nunca tinha pulado.
Em uma hora e quarenta minutos os Titãs conseguiram ter o público na mão o tempo todo e no bis com um “Homem Primata” um pouco diferente da gravação em estúdio e a “Sonífera Ilha” que até hoje não consigo entender bem lembro que alguém apareceu do nada me entregando a jaqueta encontrada no chão. Ela estava muito suja...
Tinha-me esquecido dela...
Das coisas que ficam e não me saem da cabeça são o cheiro de alho e a voz engraçada do nosso ‘condutor’. A jaqueta que eu usei pra ir até a lanchonete após o show toda suja e que nem repararam já que estavam todos chapados... Das histórias que eu quero contar fica a impressão de que aquele show não valeu só pela performance da banda que está entre as minhas preferidas no Brasil, já que tive o privilégio de ver outra apresentação ainda melhor dois anos depois em Sorocaba... Fica também na lembrança o retorno meu e do Agnaldo de busão, já que o Danilo ficou mais um tempo em Bauru para voltar com a irmã. Naquele tempo vim dormindo. Não havia ainda o walkman que me acompanharia por anos... Não ouvi música, mas quando dormi sonhei que estava ouvindo... Era rock... Eu ouço rock até quando durmo...
Marco Antônio de Almeida
marcoemobras@yahoo.com.br
tt: @Marco_EmObras
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