Mudança
de estação
Eu fui mudando de banda
preferida por uns anos até chegar a Legião Urbana que por muito tempo passou a
ser a minha banda de cabeceira daquelas que eu ouvia praticamente todos os dias...
Curti muito o Camisa de Vênus e suas músicas com trocadilhos insanos e depois
vi no Ira! a banda que externava muito do que eu sentia. Mas quando ouvi com
atenção as melodias a la “U2” e “The Smiths” e as letras sentimentais da Legião
não teve mais pra nenhuma outra... Para dizer a verdade custei saber detalhes a
respeito da banda e de coisas que na época ainda eram tabu como a sexualidade
do Renato Russo, a verdade era que eu era muito atarefado com mil coisas a
fazer, a todo momento, e por exemplo, ingenuamente para a chacota da turma
durante um tempo assinava com um “Russo” a frente do meu primeiro nome numa
homenagem muito significativa, digamos, eu que sabia todas as músicas de cor e cantava
algumas delas nos infindáveis ensaios do Skalla Richter, a banda dos meus
amigos em que eu participei um pouco, não me preocupava então com detalhes a
respeito da vida pessoal dos artistas...
Em Itaí nos idos de 89
eu acho que junto ao casal formado por Rafael e Marlene era um dos maiores
admiradores da Legião Urbana na cidade. O Rafaelzinho era um amigo de infância
e Marleninha, além de prima veio a ser minha parceira no batismo católico do
Gabriel, filho do grande amigo Guinho, um tempo depois. Eu já tinha ido a
alguns shows de bandas que faziam sucesso e tal como os dos já citados Camisa
de Vênus, Ira! e dos Titãs e nada de ir a um da Legião...
Fiquei sabendo do show
que iria ocorrer dali a três meses em Sorocaba e encontrei o casal de amigos já
quase determinando que iriamos fazer o que fosse possível para estarmos lá no
clube recreativo naquele dia de outubro.
Apaixonado por música,
arte pop, cultura em geral na época sempre estava expandindo meus limites
culturais e, portanto, me sentia na obrigação de ir a esse show.
Com três meses teríamos
tempo para guardar dinheiro e projetar a viagem. Ocorreu-nos que o Paulinho
Gente Fina estava morando em Sorocity. Ele que foi um dos locutores da rádio
“Alternativa FM”, a primeira rádio pirata da pequena Itaí. E eu por alguns
programas fui seu programador de som oculto. Fizeram até uma promoção pra
descobrirem quem era que estava na programação... Não descobriram... Nas
primeiras conversas veio ideia nevrálgica e coerente de passarmos na casa dele
antes do show. Inclusive o de pedir ajuda a ele...
Um problema banal era
que justamente naqueles dias eu estava desempregado... Mas nada que a boa
criatividade e um papo com o Dorthinho não resolvesse, pois, sentados na
varanda de minha casa ele que estava pintando casas me deu a ideia de um
projeto de revitalização de túmulos e capelinhas no cemitério, já que dali a um
tempo seria época de Finados... Eu que nunca tinha pintado nada em minha vida
entraria com a parte da divulgação junto à clientela.
Era simples: eu fui ao
cemitério e anotei algumas capelas e alguns túmulos grandes de famílias
tradicionais e conhecidas da cidade que estavam precisando de uma ajeitada. E
visitei as casas dos parentes propondo nossos serviços. Acho que fomos
pioneiros desvendando um novo tipo de serviço nunca mais retomado nem sei por
quê.
Esse serviço nos rendeu
uma boa grana... E uma encrenca danada com o Adãozinho coveiro já que
insistimos em pintar ouvindo um som...
Faltando dois meses já
tínhamos o plano. Marleninha iria fazer lanches. Eu e o Rafa levaríamos bebida,
(refris e cerva), acondicionados num isopor. Já tínhamos na ponta da língua as
músicas do “Quatro Estações”, o disco da turnê... Rafinha contatou o Paulinho
que passou pelo telefone o endereço de sua casa...
Um mês e já sabíamos todos
os detalhes. Éramos como crianças descobrindo um novo jogo. A força de um
prazer inabalável que nos irmanava. Outros itaienses iriam também, mas para nós
não era a mesma coisa, pois éramos os maiores fãs. Num tempo em que não havia
internet nossos ingressos seriam comprados pelo Paulinho e o pagaríamos assim
que chegássemos.
Com cinco dias para o
show ligamos novamente pro Paulinho e surpresos ouvimos que ele ainda não havia
comprado os nossos ingressos e nem o dele. Fiquei preocupado, mas ele com sua
característica calma e voz imperturbável afirmou que no dia nós iríamos entrar no
show tranquilamente...
Daí que alguns
imprevistos vieram dar o ar da graça. Marlene ficou doente. E Rafaelzinho meio
que quis desistir. Até o último instante tentamos demover Marleninha da ideia
de não ir mais. Mas não deu e um dia antes eu e o Rafael nos lembramos de
comprar a passagem.
Só que esquecemos um
detalhe: à época em sexta-feira muita gente viajava pras cidades das bandas de
Sorocaba! Perguntem-me se encontramos passagens...
A saída foi irmos de
carona... Eu era experiente nisso, já o Rafinha era muito medroso ficando
naquele quase desistir de sempre... Mas impus toda a história por trás de tudo
e o que iríamos dizer aos outros caso não fôssemos? Só sei que no outro dia estávamos os dois na
pista pra pegar a primeira de quatro caronas até chegarmos a Sorocaba...
Não preciso contar do
cansaço, do quanto foi meio complicado as horas na estrada entre uma carona e
outra... Imaginem...
Mas chegamos à tardinha
em Sorocaba e imediatamente pegamos aí sim um táxi com o endereço da residência
do Paulinho Bérgamo.
Ao chegar a casa fomos
recebidos por uma família feliz que nos tratou com um calor humano incrível. Paulinho
sorrindo nos trouxe do quarto uma surpresa: a irmã. Ela trabalhava para uma
revista e iria entrevistar Renato Russo. O que significava que poderíamos
entrar antes e de graça no Centro Recreativo, local do show...
Era muita sorte afinal
de contas. Vislumbrei poder conhecer o vocalista da Legião de perto e tudo o
mais...
Quando eram umas oito
da noite no carro do irmão do Paulinho ansiosos e levemente embriagados por uma
caipirinha gigante feita pelo Juca, o pai da prole, fomos pro rock... O show
começaria só às dez da noite, mas como combinado tínhamos que estar antes para
todo o trâmite da entrevista. Um segurança achou que o apoio da moça era muito
grande. “Quatro rapazes pra segurar um gravador, não é muita coisa não?!”. Mas
afinal de contas algumas fotos e a promessa de um cd autografado para ele levar
para a filha resolveram tudo e entramos. Entramos...
Difícil explicar e
descrever a sensação de estar num local onde aconteceria um show de rock em
seus bastidores. Presenciamos, eu, Rafinha e os irmãos Bérgamo a um tranquilo
Dado Villa-Lobos e um silencioso Bonfá testando o som. Vimos os músicos de
apoio afinando instrumentos. Infelizmente só deixaram o Paulinho entrar para
segurar o gravador da irmã... Depois eu ouvi a voz fina do Renato Russo
respondendo a meia dúzia de perguntas numa fita cassete, inclusive algumas
patadas, como quanto ela pediu um conselho para quem está começando e ele disse
“nunca siga conselhos”. Nós permanecemos todo o tempo no salão. Vimos todo o
público entrando num misto de euforia e contentamento lotando rapidamente todo
o ginásio, presenciamos a expectativa criada por uma banda que tinha tido
problemas num show grandioso em Brasília... Foi uma experiência inesquecível.
E o show?
Sobre o show... Sem
comentários...
Talvez outro dia numa
outra crônica eu conte...
Marco
Antônio de Almeida