domingo, 5 de maio de 2013


Mudança de estação

Eu fui mudando de banda preferida por uns anos até chegar a Legião Urbana que por muito tempo passou a ser a minha banda de cabeceira daquelas que eu ouvia praticamente todos os dias... Curti muito o Camisa de Vênus e suas músicas com trocadilhos insanos e depois vi no Ira! a banda que externava muito do que eu sentia. Mas quando ouvi com atenção as melodias a la “U2” e “The Smiths” e as letras sentimentais da Legião não teve mais pra nenhuma outra... Para dizer a verdade custei saber detalhes a respeito da banda e de coisas que na época ainda eram tabu como a sexualidade do Renato Russo, a verdade era que eu era muito atarefado com mil coisas a fazer, a todo momento, e por exemplo, ingenuamente para a chacota da turma durante um tempo assinava com um “Russo” a frente do meu primeiro nome numa homenagem muito significativa, digamos, eu que sabia todas as músicas de cor e cantava algumas delas nos infindáveis ensaios do Skalla Richter, a banda dos meus amigos em que eu participei um pouco, não me preocupava então com detalhes a respeito da vida pessoal dos artistas...
Em Itaí nos idos de 89 eu acho que junto ao casal formado por Rafael e Marlene era um dos maiores admiradores da Legião Urbana na cidade. O Rafaelzinho era um amigo de infância e Marleninha, além de prima veio a ser minha parceira no batismo católico do Gabriel, filho do grande amigo Guinho, um tempo depois. Eu já tinha ido a alguns shows de bandas que faziam sucesso e tal como os dos já citados Camisa de Vênus, Ira! e dos Titãs e nada de ir a um da Legião...
Fiquei sabendo do show que iria ocorrer dali a três meses em Sorocaba e encontrei o casal de amigos já quase determinando que iriamos fazer o que fosse possível para estarmos lá no clube recreativo naquele dia de outubro.
Apaixonado por música, arte pop, cultura em geral na época sempre estava expandindo meus limites culturais e, portanto, me sentia na obrigação de ir a esse show.
Com três meses teríamos tempo para guardar dinheiro e projetar a viagem. Ocorreu-nos que o Paulinho Gente Fina estava morando em Sorocity. Ele que foi um dos locutores da rádio “Alternativa FM”, a primeira rádio pirata da pequena Itaí. E eu por alguns programas fui seu programador de som oculto. Fizeram até uma promoção pra descobrirem quem era que estava na programação... Não descobriram... Nas primeiras conversas veio ideia nevrálgica e coerente de passarmos na casa dele antes do show. Inclusive o de pedir ajuda a ele...
Um problema banal era que justamente naqueles dias eu estava desempregado... Mas nada que a boa criatividade e um papo com o Dorthinho não resolvesse, pois, sentados na varanda de minha casa ele que estava pintando casas me deu a ideia de um projeto de revitalização de túmulos e capelinhas no cemitério, já que dali a um tempo seria época de Finados... Eu que nunca tinha pintado nada em minha vida entraria com a parte da divulgação junto à clientela.
Era simples: eu fui ao cemitério e anotei algumas capelas e alguns túmulos grandes de famílias tradicionais e conhecidas da cidade que estavam precisando de uma ajeitada. E visitei as casas dos parentes propondo nossos serviços. Acho que fomos pioneiros desvendando um novo tipo de serviço nunca mais retomado nem sei por quê.
Esse serviço nos rendeu uma boa grana... E uma encrenca danada com o Adãozinho coveiro já que insistimos em pintar ouvindo um som...
Faltando dois meses já tínhamos o plano. Marleninha iria fazer lanches. Eu e o Rafa levaríamos bebida, (refris e cerva), acondicionados num isopor. Já tínhamos na ponta da língua as músicas do “Quatro Estações”, o disco da turnê... Rafinha contatou o Paulinho que passou pelo telefone o endereço de sua casa...
Um mês e já sabíamos todos os detalhes. Éramos como crianças descobrindo um novo jogo. A força de um prazer inabalável que nos irmanava. Outros itaienses iriam também, mas para nós não era a mesma coisa, pois éramos os maiores fãs. Num tempo em que não havia internet nossos ingressos seriam comprados pelo Paulinho e o pagaríamos assim que chegássemos.
Com cinco dias para o show ligamos novamente pro Paulinho e surpresos ouvimos que ele ainda não havia comprado os nossos ingressos e nem o dele. Fiquei preocupado, mas ele com sua característica calma e voz imperturbável afirmou que no dia nós iríamos entrar no show tranquilamente...
Daí que alguns imprevistos vieram dar o ar da graça. Marlene ficou doente. E Rafaelzinho meio que quis desistir. Até o último instante tentamos demover Marleninha da ideia de não ir mais. Mas não deu e um dia antes eu e o Rafael nos lembramos de comprar a passagem.
Só que esquecemos um detalhe: à época em sexta-feira muita gente viajava pras cidades das bandas de Sorocaba! Perguntem-me se encontramos passagens...
A saída foi irmos de carona... Eu era experiente nisso, já o Rafinha era muito medroso ficando naquele quase desistir de sempre... Mas impus toda a história por trás de tudo e o que iríamos dizer aos outros caso não fôssemos?  Só sei que no outro dia estávamos os dois na pista pra pegar a primeira de quatro caronas até chegarmos a Sorocaba...
Não preciso contar do cansaço, do quanto foi meio complicado as horas na estrada entre uma carona e outra... Imaginem...
Mas chegamos à tardinha em Sorocaba e imediatamente pegamos aí sim um táxi com o endereço da residência do Paulinho Bérgamo.
Ao chegar a casa fomos recebidos por uma família feliz que nos tratou com um calor humano incrível. Paulinho sorrindo nos trouxe do quarto uma surpresa: a irmã. Ela trabalhava para uma revista e iria entrevistar Renato Russo. O que significava que poderíamos entrar antes e de graça no Centro Recreativo, local do show...
Era muita sorte afinal de contas. Vislumbrei poder conhecer o vocalista da Legião de perto e tudo o mais...
Quando eram umas oito da noite no carro do irmão do Paulinho ansiosos e levemente embriagados por uma caipirinha gigante feita pelo Juca, o pai da prole, fomos pro rock... O show começaria só às dez da noite, mas como combinado tínhamos que estar antes para todo o trâmite da entrevista. Um segurança achou que o apoio da moça era muito grande. “Quatro rapazes pra segurar um gravador, não é muita coisa não?!”. Mas afinal de contas algumas fotos e a promessa de um cd autografado para ele levar para a filha resolveram tudo e entramos. Entramos...
Difícil explicar e descrever a sensação de estar num local onde aconteceria um show de rock em seus bastidores. Presenciamos, eu, Rafinha e os irmãos Bérgamo a um tranquilo Dado Villa-Lobos e um silencioso Bonfá testando o som. Vimos os músicos de apoio afinando instrumentos. Infelizmente só deixaram o Paulinho entrar para segurar o gravador da irmã... Depois eu ouvi a voz fina do Renato Russo respondendo a meia dúzia de perguntas numa fita cassete, inclusive algumas patadas, como quanto ela pediu um conselho para quem está começando e ele disse “nunca siga conselhos”. Nós permanecemos todo o tempo no salão. Vimos todo o público entrando num misto de euforia e contentamento lotando rapidamente todo o ginásio, presenciamos a expectativa criada por uma banda que tinha tido problemas num show grandioso em Brasília... Foi uma experiência inesquecível.
E o show?
Sobre o show... Sem comentários...
Talvez outro dia numa outra crônica eu conte...

Marco Antônio de Almeida