quinta-feira, 28 de março de 2013


Uma noite comum num dia qualquer


         E vem de novo meio cambaleante. Será que só me quer quando está bêbado?  Fiz que nem ouvi. Então ouço seu andar encumpridado.
         Quer ficar comigo?
         Assim na lata fica difícil. Já não tô muito querendo e ele vem sem romantismo, tá pensando o que?
         E aí... Não vai responder?
         Ah meu saquinho. Tá bom, já que você tá procurando, que seja:
         Você vive bêbado e quer ficar assim sem nem mesmo se curar antes. Dá um tempo ô... O que você tá pensando? Eu não sou qualquer uma.
         Falei olhando para um cachorro na esquina. Saiu tudo de uma vez, o cachorro acordou, me deu uma boa olhada e fechou os olhos novamente.
         Aí o Du fez uma coisa que eu não esperava: deu pinote, saiu de banda.
         E fiquei assim sem eira nem beira.
         Pensei em voltar atrás. Mas e o medo dele me dispensar de vez. Abaixei a cabeça e quase pisei na merda do cachorro, desviei sem olhar pra trás – morrendo de vontade de olhar – cheguei em minha casa... E não consegui dormir.
         Fiquei pensando em seus beijos com gosto de cerveja. Em seus abraços suados. Em seu perfume barato.
         E o que ensina a vida em noite mal dormida!

*     *     *

         Olha lá, rapaz a Luana indo embora sozinha de novo. Ah, não vou resistir...
         Mas cara, a gente acabou de levar aquelas duas embora e...
         Larga mão! Ela já ficou comigo duas vezes desse mesmo jeito.
         Então corra, cara. Eu vou embora...
         Falou.
         O que é que tá havendo. Ela fez que não me viu.
         Aumento o passo então...
         Quer ficar cumigo?
         O que está acontecendo? Ela agora não fala nada. Apenas está com cara de brava. Será que ela sabe da Lurdinha.
         E aí, não vai responder?
         Aí ela fez uma coisa que eu não esperava: deu uma esculhambada!
         ... O que você tá pensando, eu não sou qualquer uma.
         O que me restou foi dar a volta com a consciência pesada de quem pisou na bola.
Quase tropecei em um cão que dormia na calçada.
         A Luana merece mais respeito.
         Essa de tratar ela como resto não tá com nada.
         Bom, tomei uma decisão: a partir de amanhã vou fingir que nem a conheço.
         Cheguei a minha casa... Dormi sonhando com a Lurdinha...

*     *     *

         Estávamos nós dois, eu e o Eduardo, na madrugada voltando da noite, quando vi a Luana virando a esquina. Com aquele reboladinho lindo. Meu Deus, se eu tivesse coragem, juro que iria atrás dela!
         Ah, não! O Duzão também a viu.
         Olha lá rapaz a Luana indo embora sozinha de novo. Ah, não vou resistir...
         Tentei dissuadi-lo:
         Mas, cara, a gente acabou de levar aquelas duas embora e...
         Larga mão! Ela já ficou cumigo duas vezes desse mesmo jeito.
         Decidi apoiá-lo só para ver se ele desistia, pois ele sempre gostou de ser do contra:
         Então corra cara, eu vou embora.
         Falou.
         E ele foi. Ele não deixou de ir...
Foi...
         E eu fiquei perdido.
         Sempre gostei da Luana. Nunca tive coragem de chegar. E o Duzão com o seu jeitão grosseiro fica com ela a hora que quer.
         Fui embora. Em casa tomei um sal de frutas e fui dormir. Liguei o rádio. Fiquei pensando na Luana e sem querer imaginei o Duzão a beijando.
         O pior é que sei que a coisa não vai ficar só nos beijos. O pior é que ele vai passar a mão nela... Está com umas a mais na cabeça mesmo... E vai que é isso o que ela quer, ficando com ele a essas horas.
         Mas não quero imaginá-la como qualquer uma.
         É ele que é um babaca. Amanhã, nem vai olhar pra ela. E isso é o que é pior. Tentei pensar em outra coisa... Na Jussara...
         Mas não consegui!
         De repente me veio que poderia ter chegado antes do Duzão.
         Poderia ter sido mais corajoso.
         Assim quem sabe eu estaria no lugar dele. Só que tenho que esquecer... Eu vou esquecer... Decidi: a partir de amanhã nem olharei mais para ela...
         Na janela, os primeiros raios de sol anunciaram um novo dia. Um novo domingo. Foi só mais uma noite perdida em meio a mais uma vida qualquer...           
Se puder ouça agora (bem baixinho) “Love Will Tear Us Apart”...
                                                 

domingo, 3 de março de 2013


Domingo

            Não há nada que faça tão mal a Juvenildo quanto fim de domingo. Domingo à tarde pra ele sempre será angustiante. É hora de lembrar que no outro dia ele terá que ouvir cedo o despertador e levantar para um trabalho que ele não escolheu... Que ele não queria. Sem duvida alguma quando ele ouve a abertura do Fantástico vem uma vontade assim de chorar e ele não chora, porque não tem um ombro onde encostar...
         E vai ele da padaria onde costuma tomar um café todo domingo sempre no mesmo horário na direção do seu quartinho de pensão numa solidão de dar pena. No caminho encontra sempre as mesmas pessoas. Joãozinho que tem um carrinho de cachorro quente com quem conversa sobre futebol. Ele que resolveu torcer pro Corinthians no dia que pôs o pé na cidade, ele que se transformou num grande torcedor para no fundo ter o que conversar com Joãozinho e outros conhecidos...
         Ele encontra também Alice que cresceu e de menininha com o tempo se transformou numa moça muito bonita e inteligente que faz faculdade e já não o cumprimenta. Isso o deixa chateado e de vez em quando ele arrisca dar uma olhadinha pro lado dela pra ver se ela o vê, mas hoje ele para ela é apenas um homem que mora na mesma rua...
         E quando ele está chegando à pensão finalmente encontra dona Marta que o recebe sempre com o mesmo sorriso – acalanto que o reconforta um pouco – mas que não deixa de ter um toque de tristeza. Dona Marta é a dona da pensão e ele não sabe se de repente esse carinho todo não seja por causa dos doze anos de mensalidades pagas religiosamente no dia sete de cada mês...
         Mas conversar com ela é um dos poucos momentos legais de seu domingo. Falar que “o tempo está bom, que vai chover, que o timão embalou, que as frutas estão mais caras e que as crianças (agora todas adultas) mais uma vez não apareceram para visitá-la” faz bem a um Juvenildo que já não lembra os rostos de seus irmãos espalhados pelo Brasil e que tem em dona Marta uma espécie de mãe. Ela que lembra de seu aniversário e que no ano retrasado lhe surpreendeu com um bolo...
         Depois da conversinha costumeira e muito rápida pro gosto de Juvenildo vem a parte mais difícil. Ele entra em seu quarto e sempre por incrível precisão é no horário em que começa seu programa preferido. Ele fala boa noite para Patrícia e Zeca, fala sozinho com os dois... Se pega rindo de algumas partes engraçadas e chora de emoção com outras partes nem tão emocionantes assim...
         E quando o Fantástico termina, calmamente Juvenildo dá uma arrumadinha em suas coisas, em sua mochila e em seu dormitório. Pega a garrafinha, enche de água e toma o calmante receitado por um médico aconselhado pela dona Marta. Aí então ele vai dormir sonhando com os filhos que não teve, com a esposa que queria ter e com um Juvenildo que ele conseguiu ser...