sábado, 9 de fevereiro de 2013


Crônica originalmente publicada no #AVDF  em 2011


E... Vinte e cinco anos depois...


Há vinte e cinco anos atrás eu era um jovenzinho cheio de sonhos e com alguns planos. Eu não queria conquistar o mundo, mas sentia que ele me pertencia. Entusiasmado eu via os meados da década de oitenta passando e descortinava as coisas que lia em livros semanais. Jogava futebol só por brincadeira encantado com uma seleção incrível e um Corinthians inacreditavelmente único. Aprendia aos poucos a não me levar a sério e ouvia muito rock‘n roll. Saía com os amigos para beber... Embriagado cometia as inconfidências mais engraçadas. Em 1986 eu era muito doido. Mas doido bem tranquilo e nem um pouco varrido. Alguns amigos meus se lembram de histórias que hoje são vagas sombras e clarões que se acendem e se apagam. Em 1986 eu quis namorar a menina mais bonita da minha cidade e disse não a pretendentes que poderiam nem ser tão bonitas, mas que eram mais interessantes com certeza. Eu levei mil foras. Eu dei os meus foras também. Eu fiquei com a Madonna. Eu sonhei com a Lidia Brondi. Eu me arrependi de não ter ido a algumas festas e também de ter saído mais cedo de outras. Eu não me arrependi por ter dado show. Nem fiquei admirado por ter dançado muito na Flipper Dance a ponto de fazerem roda para me verem...
Há vinte e cinco anos eu fui a Sorocaba assistir a um show do Camisa de Vênus e segurei a mão de uma garota que estava ao meu lado. Como costume nem pedi telefone... Como acontece nunca mais nos vimos. Eu tinha um jeito de ver as coisas e meus colegas de classe outro. Resultado: achavam-me um maluco. Meu pai ficou sabendo que eu andava pixando e ficou muito bravo até que eu expliquei que fazíamos aquilo por não termos o que fazer... Ele pensou um pouco e acabou concordando: Itaí era um porre mesmo! Era para eu só tomar cuidado com o Arlindão (o chefe da guarda municipal da época). Sim, meu pai era bem diferente embora fosse de outra geração. Ele sempre me entendeu e por isso eu me transformei no que sou hoje.
O que sou hoje?
O reflexo do que fui a partir de 1986. O ano em que descobri que a leitura pode ser tão prazerosa quanto às viagens que comecei a fazer. Acho que foi nesse ano que fui primeira vez para São Paulo. A sensação de ver tantos prédios e tanta imensidão. Tanta gente andando depressa e tantos carros. A sensação de ser tudo novo e tudo ao mesmo tempo naquela hora nunca me abandonou desde então. Desde então eu vou para São Paulo e procuro aprender a ‘ser de São Paulo’ buscando sempre a mesma sensação da descoberta que diferencia o inusitado do constante.
Há vinte e cinco anos atrás eu conheci alguns dos meus melhores amigos e desconheci alguns dos que considerava grandes camaradas. Eu aprendi a jogar sinuca, pebolin, tênis de mesa e WAR. Eu joguei Atari na casa do Erick e do Danilo Galo. Eu gravei mais de cinqüenta fitas cassete com o melhor do heavy metal. Eu deixei meu cabelo crescer um pouco e meu pai pediu que eu cortasse porque não pegava bem para quem trabalhava em bar.
Sim, meus caros leitores, há vinte e cinco anos atrás eu nem sonhava que um dia iria escrever isso aqui. Eu era feliz e sabia... Eu punha um disco de capa amarelo queimado com os nomes dos integrantes da banda na parte de trás e com um ‘Dois’ na frente junto com o nome da banda para tocar e cantava junto. E tinha uma música que eu fiz questão de aprender inteira para cantar o mais rápido possível... Eu sabia que não era o ‘Eduardo’ pois mais parecia pelos meus atos com a ‘Monica’... Mas jamais esqueço a sensação de ter decorado cada verso e quando fui o primeiro da sala a cantá-la pros ouvidos corajosos de todos... Ninguém naquele momento sabia o que eu estava sentindo. Uma sensação difícil de explicar...
A sensação de ter conquistado algo que me acompanharia a vida toda. O amor à música e ao que ela pode possibilitar o tempo todo em nossas vidas!
“E quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração. E quem irá dizer que não existe razão?”.
                                                                                      http://virou.gr/lVp6Js

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013


A Mãe lá de casa

Estive fora uns tempos.

Casei-me, tive filhos e após a separação fui ver como que era a vida de homem recém-separado curtindo a vida solitário uns tempos. Voltei após quase doze anos pra casa de minha mãe para fazer companhia mesmo e não deixá-la tão só. Já não sei quem ganha mais com essa decisão.

Tenho quase certeza que o maior beneficiado tem sido eu.

Quem me segue no twitter e perde um pouco do seu tempo lendo o que me disponho a postar nos cento e quarenta caracteres por vez já deve ter percebido que sou um tanto deslumbrado com a forma como minha mãe quase octogenária (fará 80 anos daqui a dois meses) enxerga a vida. São dela alguns comentários bem humorados e irônicos feitos com a simplicidade que só se adquire com o tempo.

Tem sido outro prazer que eu não conhecia tão bem assistir a jogos com essa corintiana fanática conhecedora das mais difíceis regras do jogo bretão. Impedimento por exemplo ela tira de letra muitas vezes se antecipando até mesmo aos comentaristas. Dia desses num lance marcado contra o timão antes mesmo de o Arnaldo dar seu veredito, vendo no replay, dona Maria disse com sua habitual ranzinzice “só tá o Jorge Henrique e o goleiro, então só pode ser a merda do impedimento!”.

São maravilhosas as suas frases feitas e desfeitas: “pau torto se você tenta endireitar, quebra...”; “se você adoça muito a pessoa ela acaba salgando sua vida...”; “o céu escuro já não mostra que vai chover, serve é pra enganar a moça da tevê...”. Sempre séria e com um meio-sorriso a Maria Raposo tem uma frase definitiva pra qualquer coisa, frases que muitas vezes a gente demora pra assimilar.

Ela nunca foi à escola e ultimamente reparamos nela uma preocupação com o falar. Ela se esmera em falar corretamente, o que como minha filha afirma a torna uma fofa. Mas como falar certas palavras já que se tem uma língua presa¿ “Pênalti”, por exemplo, vira aquele termo que designa uma parte íntima masculina... Ela tenta falar o nome da loja de materiais para construção onde tem conta e sai um “escorpel” que soa muito mais difícil do que o nome original. Motivos para risadas e no caso do meu filho para gargalhadas. 

Fazê-la falar certas palavras são para meus dois filhos motivo de festa. Coisas que ela poderia considerar chacota e poderia até ser, mas não, ela sabe que essa característica a torna uma vó diferente, divertida, única. E vó é mãe duas vezes. Sinto que seus netos e bisnetos a renovam e fazem com que ela tenha mais disposição para continuar encarando a vida com alto astral e continuar fazendo com prazer um café novo e fresquinho a cada visita, a cada “passada” de um dos filhos, parentes e comadres.

Minha mãe é hoje uma referência para que eu perceba em mim mesmo as falhas que eu não quero para o meu futuro.

Espelho-me nela para continuar a ter prazer nas pequenas coisas como quando dia desses, ela me disse da felicidade que tem ao simplesmente olhar a casa cheia de gente e poder pensar que simplesmente que se todos aqueles estão ali é por causa dela.
Sim, esse pensamento é o que pode nos fazer bem sempre: vou fazer o que for possível para que no futuro eu possa me orgulhar da minha prole.

A mãe lá de casa disse que não quer essa “frescura” de presente de dia das mães. Ela diz que esse negócio foi inventado para que todo mundo “limpe a consciência”. Eu não entendi muito bem o que ela quis dizer. Mas nem vou perguntar nada... Domingo a gente vai fazer um almoço especial lá em casa e depois compro um presente como quem não quer nada...

Marco Antônio
Filho da dona Maria do Zé Florentino
e-mail: marcoemobras@yahoo.com.br

sábado, 2 de fevereiro de 2013



Música boa é música agradável!


A música segundo Tim Blanning, professor da Universidade de Cambridge em seu livro recém lançado é a principal manifestação artística do homem. Não precisávamos ler num livro (O Triunfo da Música, Ed.Cia das Letras, 424 págs.) para já sabermos isso. Música está em todos os lugares e isso independe do substantivo que venha depois. Eu mesmo não consigo viver sem música. Só que talvez eu seja um dos caras mais ranzinzas em termos de gosto musical que você venha a conhecer!
Sabe essas músicas que todos gostam? Que tocam em todos os lugares? Nas tevês, nas rádios, nos clubes, nos carros? Essas que por mais que você tente não se consegue deixar de se ouvir... Então, eu não gosto normalmente dessas músicas!
E sabe por quê? Porque elas acabam tocando tanto que nos deixam empapuçados. Música boa é música agradável. Música pop é música comercial e por mais que você aceite sempre vai gostar até certo limite. Tem algumas músicas que eu gosto tanto que sou capaz de ouvir repetidas vezes... Essas normalmente não se tocam direto. Você já parou para pensar por que sempre as músicas que os que gostam de ouvir muito alto em seus sons automotivos são feias? Eu já parei... Estou pensando em pôr um som em meu carro (não tenho ainda por recomendação médica, já que sou muito distraído posso não prestar atenção no trânsito para ouvir a música...) só pra ter o gostinho de quebrar uma barreira e ser talvez o PRIMEIRO em Itaí a passar pela avenida ouvindo BEATLES no último volume e não essas músicas “pancadão” que eu não quero nem discutir a qualidade e o gosto de quem as prefira... Gosto não se discute, se lamenta...
Sou adepto da famosa siesta após o almoço. Na Espanha pelo menos nas cidades pequenas tudo fecha para que os habitantes possam dormir. E olha que não são os vinte, trinta minutos aos quais eu particularmente estou acostumado e sim duas a três horas! Costumo dizer que sofro de um mal que merece ser conhecido como cochilomania. É um costume salutar que me ajuda a enfrentar com bom humor as agruras do corre-corre do meu dia-a-dia. Você quer saber o que mais me deixa de mau humor? É eu me deitar para o meu precioso cochilo e passar um carro com o som no talo, no último volume e parar perto de casa. E eu acho que tem alguém que descobriu que isso me tira do sério e adora fazer isso justamente após o Globo Esporte. É um tal de parar o carro com o som ligado com essas músicas que eu não gosto de ouvir e que todo mundo estranhamente adora e ficar o tempo necessário para eu perder meu cochilo e meu bom humor.
Música boa é música agradável. Não me agrada a batida constante de um sintetizador. Respeito quem goste e como afirma o professor Tim Blanning: “Enquanto os critérios estéticos são passageiros, a capacidade de agradar a uma geração após a outra se confirma pela objetividade”. Qual o objetivo de uma música que repete a mesma frase de mau gosto e as mesmas batidas feitas por computador e tiradas de outras músicas?
Não me deixar fazer a siesta. Só pode ser isso...

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013


O primeiro disco de vinil com meu pai
“Eu não sei viver sem som. Não ligo para ver TV, minha companhia é a música, mais até do que a literatura. É algo que me comove, estimula e sensibiliza”.
Fernanda Montenegro
               
          Antes mesmo de ouvir o primeiro disco de vinil que comprei em minha vida, o “Led Zeppelin – IV”, já havia lido tudo sobre ele. A música é para mim, além de entretenimento, diversão e inspiração: reflexão. Tinha eu quinze para dezesseis anos (sim, comecei minha amada coleção muito tarde). Cheguei em casa com o disco e o guardei num espaço com um vão livre onde caberiam outros cem. Não tinha, veja só, ainda aparelho de som (sim, comprei discos antes de comprar o aparelho para tocá-los); e quando finalmente o comprei, tinha já outros dois: “Killer of Giants” do Ozzy Osbourne e o “primeiro” da Legião Urbana. Ouvir pela primeira vez o disco do Led Zeppelin inteiro em casa foi então um ritual.
         Chamei meu pai, interrompi a novela e pedi atenção. Ele a principio não queria ouvir, preferia assistir a novela das seis, a única que ele acompanhava já que tinha que estar no bar no horário das outras, mas insisti e ele cedeu. (eu era caçula, afinal).
         Coloquei pra tocar no volume seis e olhei para ele já explicando que “Black Dog”, a primeira música era um verdadeiro pilar do Heavy Metal e ele fez uma careta. Ele... Logo ele, que gostava de cururu. Não voltei a olhar para ele no restante da música... Torci para que ela terminasse logo. Na segunda, “Rock and Roll”, comentei  que o nome já dizia tudo. A expressão dele estava séria. Comecei a imaginar que por trás do esforço pra me agradar estava uma esperança de que aquilo passasse logo.
         Minha alegria e salvação foi o toquinho inusitado da terceira canção que eu nunca tinha ouvido: “The Battle of Evermore”. Ele abriu um sorriso e disse “bonita essa música...”. Sim, essa canção possui um lirismo universal. Qualquer ser humano em seu juízo perfeito pode até ao ouvi-la, sentir certa estranheza, mas dificilmente a considere feia.
         Fazer meu pai gostar do que gosto e compreender para se tornar, antes de tudo, um cúmplice dentro de casa era um dos meus objetivos e a próxima música que fecha o lado A desse disco era para mim a certeza de que eu conseguiria esse intento. Mas “The Batle of Evermore” estava tocando ainda quando “seu” José Florentino comentou: “parece viola isso aí...”.
          Respondi com sinceridade que não sabia. Estava afinal de contas ouvindo pela primeira vez também e ele saiu-se com essa, “engraçado, compra esse negócio aí às escuras e justo a música que não tinha ouvido ainda, é a mais bonita...”. Essa canção prepara os ouvidos para um indiscutível clássico do Led: “Stairway to Heaven”, que mistura vozes e sons diferentes de guitarra. A consagração dessa experiência que se tornou inesquecível veio com a canção, que se inicia lenta fazendo uma analogia com a vida que também engatinha para depois aumentar a velocidade. A caminhada para o céu é feita de erros, muito mais que acertos e isso que faz com que a gente não se desligue de uma intensa procura pelo nosso melhor. A música já escolhida na Inglaterra como a mais linda de todas numa dessas votações na internet fez meu pai abrir um grande sorriso. “Esses homens tocam mesmo!”, disse ele se rendendo de vez.
         Troquei de lado o LP.
         Sentei-me ao lado do meu pai no sofá para ouvir o lado B. “Misty Mountain Hop” com sua batida de bateria inconfundível. “Four Sticks” com seus riffs de guitarra que passariam a ser copiados pelas bandas grunge dos anos noventa. Ouvimos calados, com meu pai com a testa franzida de quem prestava realmente atenção.
         “Going to California”, a balada definitiva embalou uma conversa inesquecível. Meu pai quis saber mais alguma coisa a respeito daquele grupo musical. Contei a ele que o Led Zeppelin foi formado simplesmente pelo melhor baixista de estúdio de sua época, John Paul Jones; um dos melhores guitarristas que havia tocado com Jeff Beck e Eric Clapton num outro grupo, o Yardbirds, o Jimmy Page; um vocalista com agudos sobrenaturais de nome Robert Plant e um baterista com uma levada original que morreu precocemente contribuindo para o fim da banda, John “Bonzo” Bonham. Ouvíamos agora a última música, o petardo “When the Levee Breaks”.
         Meu pai falava que a música bem feita precisa de bons músicos e falou que Tonico e Tinoco, Milionário e José Rico e outras duplas caipiras fizeram tanto sucesso porque além de cantarem bem tocavam muito.
Engraçado que me lembro como se fosse hoje esse dia e isso foi há uns vinte e seis anos mais ou menos. Nunca vou esquecer que meu pai depois disso passou a me entender mais. Que o rock’n roll não é só música, entretenimento e sim um estilo de vida, uma postura diante das coisas da vida. Entender isso rejuvenesceu meu pai e fez dele alguém que me deu o maior orgulho.
         E eu amadureci um pouco... Só um pouco é verdade...

Marco Antônio*
Comente diretamente comigo no marcoemobras@yahoo.com.br
           

                        
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