quarta-feira, 7 de maio de 2014

Cine Paraíso


O cinema é uma paixão secundária, admito... A música sempre esteve em primeiro lugar. Mas nunca esquecerei que participei indiretamente do fechamento do cinema de minha cidade.
O filho do dono do cinema morava perto do bar do meu pai e veio avisar que aquela sessão seria a última do cine Paraíso. Sim, era esse o nome do Cinema do “Quero-Quero”. Quero-Quero é o apelido do Senhor Osvaldo Fabrício que ganhou na loteria. Eu não acredito em destino, mas acredito em predestinação. Algumas pessoas são predestinadas a realizarem algo que só a elas o tempo permite.
Posso parecer meio doido de pensar assim, mas talvez uma resposta a quem acaso se pergunte sobre sorte ou o que colaborou para que ele fizesse os treze pontos na loteria seja o fato de que um de seus sonhos era justamente construir o cinema e foi o que ele fez.
Cinema que depois de fechado deu origem ao Flipper Dance que caso alguém não saiba do que estou falando bastaria ser informado que esse espaço viria a se tornar verdadeiro Templo da Dança da região e certamente a danceteria mais frequentada entre todas numa década em que esse era o principal divertimento dos jovens e entenderia um pouco mais.
Conta lenda que ‘seu’ Osvaldo quando foi jogar estava de chinelo de dedo e estava indeciso se comprava um novo ou consertava o velho. Optou em consertar com um fio de náilon o velho chinelo e usar o dinheiro para fazer a “fézinha”. Não sei francamente até onde isso é verdade e agora não vou averiguar antes de terminar essa. Prefiro até imaginar que é uma das histórias criadas para tornar um evento extraordinário ainda mais excepcional. Fazer treze pontos até hoje é difícil e com a Mega-Sena esse jogo que era na década de setenta o principal da loteria federal veio a ficar em segundo plano, assim como o cinema que com o tempo tornou-se obsoleto numa cidade pequena feita Itaí já invadida pelas vídeolocadoras e os videocassetes.
Sei que estava trabalhando no bar do meu pai que ficava perto da casa do ‘seu’ Osvaldo quando o filho dele mais novo, o Márcio veio avisar que aquela seria a última sessão de cinema. Para mim não havia Peter Bogdanovich e seu “A Última Sessão de Cinema” que tinha sido por sinal produzido anos antes, em 1971. Estou falando de 1982 mais ou menos... Eu não tinha a menor noção da importância histórica daquilo tudo e confesso que fui ao cinema por uma questão de curiosidade de moleque e só.
Lá chegando dei de encontro ao cartaz de um filme de uma história no deserto que já não consigo lembrar nem o nome. Não entrei. Acabei gastando o dinheiro do ingresso em fichas de fliperama e refrigerante no bar do Ambrósio.
É... Não vou mentir. Eu não fui à última sessão do último cinema de minha cidade. E acho sinceramente que isso é altamente poético...
Se eu tivesse ido poderia ter uma visão distorcida do que realmente ocorria. Quando cheguei à portaria e olhei o cartaz, vi acho que o próprio senhor Osvaldo Fabrício em pessoa e moleque ainda nem prestei atenção à cara de decepção que ele fez quando percebeu que eu era mais um que chegou até lá e não comprou a entrada. Se ele tivesse alguma esperança ainda de insistir no sonho e de manter o cinema aberto isso acabou ali com as pessoas que foram e não entraram.
O último filme que assisti no cine Paraíso foi “Os Vagabundos Trapalhões”. O filme passou acredito uns três meses antes dessa derradeira sessão. Ficam em minha memória fragmentária as risadas, o cheiro de pipoca que na época era feita por um pipoqueiro que ficava perto do bar antes da gente entrar na sala e a incrível sensação de deslumbramento que só o cinema propicia.
Anos depois eu assistiria em Avaré no Cine CAC ao filme Cinema Paradiso e emocionado ao final da sessão lembraria que havia algo naquilo tudo. Eu fazia faculdade e até então nem sabia que exerceria a profissão.
O filme foi um dos eventos inesquecíveis desse tempo de muitas coisas incríveis.
Muitas coisas vieram à minha cabeça com a história do menino que se torna um adulto um tanto amargo e que retorna até sua cidadezinha para participar do enterro do grande mestre que lhe ensinara a amar o cinema como poucos.
Quis contar a linda coincidência dos nomes aos meus amigos, mas guardei para mim. Nem tudo precisa ser compartilhado imediatamente. Certas coisas precisam de um tempo para melhor serem compreendidas. E olha que eu não acredito em destino...
Marco Antônio
@Prof_Marcoant_ -
“Sonhos vém, sonhos vão... O resto é imperfeito...” - R.Russo