O cinema é uma paixão
secundária, admito... A música sempre esteve em primeiro lugar. Mas nunca
esquecerei que participei indiretamente do fechamento do cinema de minha
cidade.
O filho do dono do cinema
morava perto do bar do meu pai e veio avisar que aquela sessão seria a
última do cine Paraíso. Sim, era esse o nome do Cinema do
“Quero-Quero”. Quero-Quero é o apelido do Senhor Osvaldo
Fabrício que ganhou na loteria. Eu não acredito em destino, mas acredito em
predestinação. Algumas pessoas são predestinadas a realizarem algo que só a
elas o tempo permite.
Posso parecer meio doido de
pensar assim, mas talvez uma resposta a quem acaso se pergunte sobre sorte
ou o que colaborou para que ele fizesse os treze pontos na loteria seja o
fato de que um de seus sonhos era justamente construir o cinema e foi o que
ele fez.
Cinema que depois de fechado
deu origem ao Flipper Dance que caso alguém não saiba do que estou falando
bastaria ser informado que esse espaço viria a se tornar verdadeiro Templo
da Dança da região e certamente a danceteria mais frequentada
entre todas numa década em que esse era o principal divertimento dos jovens
e entenderia um pouco mais.
Conta lenda que ‘seu’ Osvaldo
quando foi jogar estava de chinelo de dedo e estava indeciso se comprava um
novo ou consertava o velho. Optou em consertar com um fio de náilon o velho
chinelo e usar o dinheiro para fazer a “fézinha”. Não sei francamente até
onde isso é verdade e agora não vou averiguar antes de terminar essa.
Prefiro até imaginar que é uma das histórias criadas para tornar um evento
extraordinário ainda mais excepcional. Fazer treze pontos até hoje é
difícil e com a Mega-Sena esse jogo que era na década de setenta o
principal da loteria federal veio a ficar em segundo plano, assim como o
cinema que com o tempo tornou-se obsoleto numa cidade pequena feita Itaí já
invadida pelas vídeolocadoras e os videocassetes.
Sei que estava trabalhando no
bar do meu pai que ficava perto da casa do ‘seu’ Osvaldo quando o filho
dele mais novo, o Márcio veio avisar que aquela seria a última sessão de
cinema. Para mim não havia Peter Bogdanovich e seu “A Última Sessão de
Cinema” que tinha sido por sinal produzido anos antes, em 1971. Estou
falando de 1982 mais ou menos... Eu não tinha a menor noção da importância
histórica daquilo tudo e confesso que fui ao cinema por uma questão de
curiosidade de moleque e só.
Lá chegando dei de encontro
ao cartaz de um filme de uma história no deserto que já não consigo lembrar
nem o nome. Não entrei. Acabei gastando o dinheiro do ingresso em fichas de
fliperama e refrigerante no bar do Ambrósio.
É... Não vou mentir. Eu não
fui à última sessão do último cinema de minha cidade. E acho sinceramente
que isso é altamente poético...
Se eu tivesse ido poderia ter
uma visão distorcida do que realmente ocorria. Quando cheguei à portaria e
olhei o cartaz, vi acho que o próprio senhor Osvaldo Fabrício em pessoa e
moleque ainda nem prestei atenção à cara de decepção que ele fez quando percebeu
que eu era mais um que chegou até lá e não comprou a entrada. Se ele
tivesse alguma esperança ainda de insistir no sonho e de manter o cinema
aberto isso acabou ali com as pessoas que foram e não entraram.
O último filme que assisti no
cine Paraíso foi “Os Vagabundos Trapalhões”. O filme passou acredito uns
três meses antes dessa derradeira sessão. Ficam em minha memória
fragmentária as risadas, o cheiro de pipoca que na época era feita por um
pipoqueiro que ficava perto do bar antes da gente entrar na sala e a
incrível sensação de deslumbramento que só o cinema propicia.
Anos depois eu assistiria em
Avaré no Cine CAC ao filme Cinema Paradiso e emocionado ao
final da sessão lembraria que havia algo naquilo tudo. Eu fazia faculdade e
até então nem sabia que exerceria a profissão.
O filme foi um dos eventos
inesquecíveis desse tempo de muitas coisas incríveis.
Muitas coisas vieram à minha
cabeça com a história do menino que se torna um adulto um tanto amargo e
que retorna até sua cidadezinha para participar do enterro do grande mestre
que lhe ensinara a amar o cinema como poucos.
Quis contar a linda
coincidência dos nomes aos meus amigos, mas guardei para mim. Nem tudo
precisa ser compartilhado imediatamente. Certas coisas precisam de um tempo
para melhor serem compreendidas. E olha que eu não acredito em destino...
“Sonhos
vém, sonhos vão... O resto é imperfeito...” - R.Russo
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