O
primeiro disco de vinil com meu pai
“Eu não sei viver sem
som. Não ligo para ver TV, minha companhia é a música, mais até do que a
literatura. É algo que me comove, estimula e sensibiliza”.
Fernanda Montenegro
Antes mesmo de ouvir o primeiro disco de vinil que comprei em minha vida, o “Led Zeppelin – IV”, já havia lido tudo sobre ele. A música é para mim, além de entretenimento, diversão e inspiração: reflexão. Tinha eu quinze para dezesseis anos (sim, comecei minha amada coleção muito tarde). Cheguei em casa com o disco e o guardei num espaço com um vão livre onde caberiam outros cem. Não tinha, veja só, ainda aparelho de som (sim, comprei discos antes de comprar o aparelho para tocá-los); e quando finalmente o comprei, tinha já outros dois: “Killer of Giants” do Ozzy Osbourne e o “primeiro” da Legião Urbana. Ouvir pela primeira vez o disco do Led Zeppelin inteiro em casa foi então um ritual.
Chamei meu pai, interrompi a novela e
pedi atenção. Ele a principio não queria ouvir, preferia assistir a novela das
seis, a única que ele acompanhava já que tinha que estar no bar no horário das
outras, mas insisti e ele cedeu. (eu era caçula, afinal).
Coloquei pra tocar no volume seis e
olhei para ele já explicando que “Black Dog”, a primeira música era um verdadeiro
pilar do Heavy Metal e ele fez uma careta. Ele... Logo ele, que gostava de
cururu. Não voltei a olhar para ele no restante da música... Torci para que ela
terminasse logo. Na segunda, “Rock and Roll”, comentei que o nome já dizia tudo. A expressão dele
estava séria. Comecei a imaginar que por trás do esforço pra me agradar estava uma
esperança de que aquilo passasse logo.
Minha alegria e salvação foi o toquinho
inusitado da terceira canção que eu nunca tinha ouvido: “The Battle of
Evermore”. Ele abriu um sorriso e disse “bonita essa música...”. Sim, essa
canção possui um lirismo universal. Qualquer ser humano em seu juízo perfeito
pode até ao ouvi-la, sentir certa estranheza, mas dificilmente a considere
feia.
Fazer meu pai gostar do que gosto e
compreender para se tornar, antes de tudo, um cúmplice dentro de casa era um
dos meus objetivos e a próxima música que fecha o lado A desse disco era para
mim a certeza de que eu conseguiria esse intento. Mas “The Batle of Evermore”
estava tocando ainda quando “seu” José Florentino comentou: “parece viola isso
aí...”.
Respondi
com sinceridade que não sabia. Estava afinal de contas ouvindo pela primeira
vez também e ele saiu-se com essa, “engraçado, compra esse negócio aí às
escuras e justo a música que não tinha ouvido ainda, é a mais bonita...”. Essa
canção prepara os ouvidos para um indiscutível clássico do Led: “Stairway to
Heaven”, que mistura vozes e sons diferentes de guitarra. A consagração dessa
experiência que se tornou inesquecível veio com a canção, que se inicia lenta
fazendo uma analogia com a vida que também engatinha para depois aumentar a
velocidade. A caminhada para o céu é feita de erros, muito mais que acertos e
isso que faz com que a gente não se desligue de uma intensa procura pelo nosso
melhor. A música já escolhida na Inglaterra como a mais linda de todas numa
dessas votações na internet fez meu pai abrir um grande sorriso. “Esses homens
tocam mesmo!”, disse ele se rendendo de vez.
Troquei de lado o LP.
Sentei-me ao lado do meu pai no sofá
para ouvir o lado B. “Misty Mountain Hop” com sua batida de bateria
inconfundível. “Four Sticks” com seus riffs de guitarra que passariam a ser
copiados pelas bandas grunge dos anos noventa. Ouvimos calados, com meu pai com
a testa franzida de quem prestava realmente atenção.
“Going to California”, a balada
definitiva embalou uma conversa inesquecível. Meu pai quis saber mais alguma
coisa a respeito daquele grupo musical. Contei a ele que o Led Zeppelin foi
formado simplesmente pelo melhor baixista de estúdio de sua época, John Paul
Jones; um dos melhores guitarristas que havia tocado com Jeff Beck e Eric
Clapton num outro grupo, o Yardbirds, o Jimmy Page; um vocalista com agudos
sobrenaturais de nome Robert Plant e um baterista com uma levada original que
morreu precocemente contribuindo para o fim da banda, John “Bonzo” Bonham.
Ouvíamos agora a última música, o petardo “When the Levee Breaks”.
Meu pai falava que a música bem feita
precisa de bons músicos e falou que Tonico e Tinoco, Milionário e José Rico e
outras duplas caipiras fizeram tanto sucesso porque além de cantarem bem
tocavam muito.
Engraçado
que me lembro como se fosse hoje esse dia e isso foi há uns vinte e seis anos
mais ou menos. Nunca vou esquecer que meu pai depois disso passou a me entender
mais. Que o rock’n roll não é só música, entretenimento e sim um estilo de
vida, uma postura diante das coisas da vida. Entender isso rejuvenesceu meu pai
e fez dele alguém que me deu o maior orgulho.
E eu amadureci um pouco... Só um pouco
é verdade...
Marco Antônio*
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