Quando eu era
pequeno, (na verdade, acho que nunca deixei de sê-lo), fui vítima de meus
amigos no que diz respeito aos apelidos. Uns me chamavam de
"tampinha", outros de "anão de jardim" e por aí vai. Um
dia, cansado dessa palhaçada, cheguei em casa e contei ao meu pai, que,
sorrindo, me falou que meus amigos eram criativos e que eu tinha de ser também.
Sim, meu pai era
genial.
Engoli o conselho
e passei a usar a criatividade pondo apelido em quem me tripudiava, levando na
esportiva, entrando na brincadeira, o que era normal naquela época. Orgulho-me
de ter cravado "Branca de Neve" a um deles que insistia em me chamar
de anão e "caveirinha" a um outro. Hoje em dia ninguém mais lembra de
me chamar pelos apelidos acima citados, e, engraçado que anos mais tarde, esses
dois colegas que apelidei continuam sendo muitas vezes lembrados pela alcunha
por mim inventada.
A forma como
reagíamos naquele tempo, final da década de oitenta, a quem zoava com a gente é
muito diferente da forma como reagem muitos moleques nesse início de século
vinte e um. Lembro de um pai que foi até a direção da escola onde leciono esse
ano, para reclamar dos coleguinhas do filho que o tinham apelidado de
"pinóquio". Eu tive entre meus melhores amigos, um que tinha esse
apelido também. Ele vai bem, obrigado. Nunca foi um mentiroso, apenas roubava
muito ar da gente devido a um avantajado nariz e por isso, com o tempo o
irônico "narizinho", seu codinome também, foi se transformando até
virar o "Guinho" que é como o conhecemos até os dias de hoje.
Mas, enfim, o pai
do aluno reclamou e nós professores, fomos aconselhados pela mediadora de
conflitos (cargo dos novos tempos, é claro!), a agir de forma a coibir os
alunos a fazerem tal brincadeira. Acho isso muito chato.
O politicamente
correto é chato!
A política de
certa forma é a junção de pensamentos e ações que existem em função de
administrar o que é público. Política é uma arte e ao mesmo tempo uma ciência e
é fundamental para que possamos conviver da melhor maneira possível dentro de
uma sociedade. Sendo assim, uma pessoa politizada, precisa conviver com as
diferenças e as idiossíncrasias tão comuns numa sociedade plural. O que é
correção para a vida em sociedade, senão um conjunto de fatores que estão
dentro de uma apropriada e combinada normalidade. E nessa normalidade,
crianças, adolescentes e jovens possuem um senso de humor que as fazem serem
muito mais livres que os adultos e idosos.
Explico: um adolescente
enxerga no amigo aquilo que soa engraçado dentro de seu convívio. Uma
característica própria diferencia o amigo e faz dele um membro do grupo
facilmente identificável. É absolutamente normal para um moleque perceber que o
amigo muito alto e magro se destaca e pode ser caracterizado como o
"vareta" do grupo. Assim, como o "vareta" pode entender
que, realmente, ele é bastante alto em relação aos seus amigos, e isso, não
deve ser encarado como um xingamento, uma ofensa e sim, como a forma encontrada
por um de seus amigos, mais baixos, para o diferenciar. Quanto a nós, adultos,
claro que não devemos pôr apelido a torto e direito em nossos colegas de
trabalho, porém, se isso passar a ser também, algo que sirva para nos
aproximar, não se pode considerar isso tão ruim.
Agir de forma
politicamente correta com certeza seria agir de forma ética e honesta com todos
os que convivem com a gente.
Eu não vou morrer
se de repente vir à tona um de meus apelidos dos tempos em que eu jogava bola.
Se me chamarem de "grilo", não devo encarar como uma ofensa e sim,
"olha só, alguém se lembrou de mim...". É claro que se o
"grilo" for uma forma de me prejudicar enquanto cidadão e se faltarem
com a ética ao me classificarem assim, aí tudo muda de figura.
O bullying virou
uma palavra da moda e, também, um ponto de vista. Realmente, quando jovens
utilizam de ofensas para prejudicar seus colegas, isso é desabonador e
ofensivo. O que me incomoda é a sociedade generalizar toda e qualquer forma
espontânea de ação e reação como sendo bullying. Prefiro lembrar do conselho do
meu pai. Prefiro encarar as coisas como elas são.
Uma sociedade é
cada vez mais avançada quando consegue lidar com seus problemas de uma forma
real e mais natural, sem necessidade de se fazer, o tempo todo, rearranjo e
expiação. As leis e regras existem para serem respeitadas, mas nem toda atitude
precisa ser alvo de investigação moral.
Concluo contando
que o menino que recorreu ao pai e esse, foi até a escola recorrer à direção,
já não é chamado por aquele apelido. Ninguém mais o chama de Pinóquio como ele
deseja. Hoje quando ele passa murmuram jocosamente o chamam de "filhinho
do papai". É, infelizmente, isso serve um pouco para refletirmos em como
são as coisas...
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